CIÊNCIA SEM FUTURO
A
educação superior de qualidade é feita majoritariamente pelas
universidades públicas, como têm mostrado vários índices e indicadores
internacionais. A associação entre atividades de ensino, de pesquisa e
de extensão é primordial para a excelência acadêmica. Os alunos têm
acesso ao conhecimento de fronteira em sua formação e podem participar
do desenvolvimento e criação desse conhecimento por meio de bolsas de
pesquisa, atividade que é continuada nos programas de pós-graduação.
Assim, causam enorme preocupação – apesar de não surpresa – os anúncios
de que o CNPq (Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e
Tecnológico) atingiu o limite orçamentário para o repasse e pagamento
dessas bolsas.
No
governo Itamar Franco houve um realinhamento e maior reconhecimento das
atividades de pesquisa científica, com boa recuperação dos valores das
bolsas de estudo das agências de fomento federais. A política foi
mantida nos governos tucanos e petistas, com algumas apreensões quanto a
atrasos nos pagamentos, mas com forte consolidação e expansão do
sistema, especialmente nos últimos 15 anos.
Deixar
de pagar as bolsas de Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado é
podar o futuro de cientistas e profissionais. Na verdade, é podar boa
parte da ciência no país, que é feita pelos alunos e não pelos
pesquisadores, dedicados a suas necessárias atividades didáticas e de
coordenação de projetos, mas também atolados nas extenuantes atividades
burocráticas.
São
esses os profissionais que fazem a ciência de que tanto o Brasil
precisa para seus saltos de qualidade, que não acontecerão no curto
prazo e precisam do necessário tempo de consolidação e amadurecimento.
No império da ignorância, cresce a crença. Uma corrente tem defendido a
ciência por meio da criação do “Partido da Ciência”, mas um partido
científico teria um papel de alerta, porém, provavelmente, pouca força
política. Precisamos, sim, difundir a importância da experimentação
científica para nossa compreensão do mundo e produção de tecnologia – o
que demanda gente trabalhando nos laboratórios das universidades.
Prospera
o discurso do utilitarismo que defende que apenas setores produtivos
devam ser bancados pelos recursos públicos, e o pagamento de bolsas é
financiar apenas a formação de um aluno especializado, o que é uma
falácia ou argumento de pouca visão. O agronegócio, por exemplo –
notório pelos aumentos de produtividade e desenvolvimento de espécimes
resistentes – se beneficia desses profissionais. Boa parte dos técnicos,
engenheiros e outros profissionais do setor tiveram, em algum momento
de suas formações, o recebimento de bolsas que os incentivaram a
continuar a formação e até retardar a vida profissional remunerada para
se especializarem.
Dirão
que o cobertor é curto, mas também o acobertado é oculto. É muito
provável que alguma solução será encontrada nos próximos dias, pois há
forte repercussão contrária, especialmente nos meios televisivos de
maior sensibilização à população. A preocupação, porém, não diminui:
outro setor tão importante quanto o de bolsas será descoberto e não será
o das valiosas emendas parlamentares.
Adilson
Roberto Gonçalves é doutor em química pela Unicamp, livre-docente pela
USP e pesquisador no IPBEN - Unesp de Rio Claro - SP.
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